] sábado, agosto 18, 2012
 
poeira de ouro

quando rondei essa nave, e as janelas estavam vedadas por uma camada espessa de poeira, não sabia que era meu universo paralelo, mistura de passado e presente dentro de um só espaço. e criei coragem de levar a mão até o vidro e com um movimento em meia lua da direita pra esquerda retirar aquilo que me impedia de enxergar dentro daquele mundo. e lá dentro, iluminada pelo sol que entrava por alguma fenda no tempo, eu via a vida. que um dia seria, que acabou de vir a ser. um flash do meu universo paralelo desempenhava na minha frente uma peça de teatro com nexo apenas pra dois. não senti dor mais destruidora em toda a minha vida, a não ser uma única vez antes. limpei mais o vidro, como se ainda existisse alguma camada de poeira que, retirada, me colocasse dentro daquele salão. e nesse salão, eu me enxerguei através de outros olhos. olhos que nunca pensei que me observassem com tanta precisão, interesse. com tanto cuidado. uma precisão científica de observar os movimentos que desejo esconder. os movimentos que revelam aquilo que eu sinto. nunca soube antes que meus olhos brilhavam tanto. e talvez eles realmente nunca tivessem brilhado. é engraçado enxergar-se a si mesmo de pé, de preto, viva, pelos olhos de outra pessoa. ainda assim, projetada no tempo como um holograma. nunca me vi do lado de fora de mim mesma. não pelos olhos de uma criança insuportavelmente viva dentro de alguém, como se tivesse acabado de explodir uma bexiga cheia d´água nas costas de um desavisado. nessa vitrine do meu universo paralelo, aponta a insuportavelmente viva criança, eu estou sorrindo e arregalando os olhos. eu abro bem a alma que existe dentro deles com a surpresa que me toma de assalto. só me enxerguei fora de mim mesma assim uma vez pelos olhos de outra pessoa. engraçado. esses olhos olharam pros meus com essa mesma expressão de surpresa diante das coisas, essa mesma expressão de total exposição do que eu tenho dentro de mim. de estupefação. mas pros seus olhos embaçados, eu era o demônio. era a primeira vez que eu sentia essa dor destruidora. baixei a cabeça, olhei pras camadas de pó na mão. quando senti pela primeira vez essa dor, foi realmente o início da minha destruição. eu não era o demônio. meus olhos são apenas espelhados, e refletem o mundo que se desdobra em minha frente. hoje, sentindo essa dor de novo, vejo que ela me reconstrói. e os olhos vivos que brilham quando abro bem minhas pálpebras diante da surpresa do mundo, refletem agora esse insuportavelmente vivo menino. que para diante de mim, muito sério nos tênis brancos e meias pretas, e então sorri. num flash que me revela meu universo paralelo, toda uma vida de lembranças cabe nesse olhar. se eu sou essa criatura mítica dum espaço e tempo que talvez nunca existissem, é também porque esses olhos me enxergam. e se toda uma vida de lembranças cabe aqui, é porque guardo elas há todos os anos em que caberão o sempre. se me dói tanto quando estou sendo reconstruída, é porque vejo valor diante de mim. um valor que por mais que arregale os olhos, jamais vai caber na minha surpresa. como se na trama das roupas tivesse pó de ouro.

[ Penkala ] 03:18 ] 0 comentários

 
eu uso óculos




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